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sábado, 18 de dezembro de 2010

"Ela"




Ela sempre se sentiu desgarrada do mundo, diferente de todos. Ela tinha resistido por muito tempo, tentou de muitas formas se adaptar ao que era inadaptável. Agora Ela se sente cansada, impotente, sem ter o que fazer diante do diagnóstico: a maioria dos seres humanos eram incompreensíveis. Por muitas vezes Ela não entendia o porquê de levarem sempre a mesma vida monótona, seguindo os mesmos padrões, obedecendo às mesmas razões, seguindo os mesmos raciocínios. Quando Ela se deparava com questões comuns e percebia que seus sentimentos e sua forma de encarar as coisas eram completamente diferentes. Sentia-se só. 
Durante a maior parte de sua vida, Ela tentou se encaixar nessa situação. Passou a observar como eles agiam, e passou à imitá-los. Aprendeu tudo. Sorria na hora que devia sorrir, se emocionava (falsamente) quando devia se emocionar, procurou agir exatamente como eles, pra não chamar tanta atenção. Sabia a hora de fazer os comentários certos, as expressões certas e até a dizer "graças a deus", mesmo sem saber direito que deus era aquele. Era assim e pronto. 
Certa vez, se atreveu a questionar o porquê de algumas coisas. Ficou surpresa com a não aceitação do público, Calou-se. Teve medo. Medo de ficar sozinha, de estar errada, de ser julgada e condenada por viver diferente. Por ser diferente. Afogou a própria indignação e voltou a viver de forma seriada. Viveu assim por um bom tempo. No fundo, sentia pena daqueles seres humanos tão conformados, tão iguais uns aos outros, sempre mergulhados em ciências superficiais. Tão preocupados com aparência e vida do próximo do que a deles mesmos. Ela achava que perdiam tempo. Sofria por vê-los tão ignorantes, tão alheios àquilo que realmente importa, sem vontade de aceitar ou buscar o novo, enterrados no padrão. E o padrão a incomodava muito. E o mais assustador é que pareciam estupidamente felizes. 
Entre esses, alguns, por vezes escapavam da formatação do mundo, se mostravam mais evoluídos: questionavam e tentavam compreender essa mania que o ser humano tem de viver no outono. Ela, enfim, acreditou que pudesse conviver com estes seres, que tinha encontrado um jeito de viver entre eles. Até agora.
De repente Ela se achava perdida, dando voltas dentro de casa, aflita, triste. Já estava impossível continuar fingindo, e aceitar aqueles humanos tinha se tornado uma tarefa árdua. Era o limite. 
Ela decidiu desistir da calma, passou a buscar os seus iguais e, lentamente foi os encontrando, um a um. Hoje, não são muitos, mas são os dEla. Esses são os que adotam as mesmas convicções e vivem de forma parecida. Ela descobriu que nunca seriam muitos, não era pra ser uma multidão. Existia a maioria, e existiam eles. Ela continuou convivendo com aqueles seres humanos medíocres, reservou os seus semelhantes as suas partes mais vivas porque necessitava ser compreendida, ser aceita. Fechou-se para a pequenez dos demais e conseguiu, de vez em quando, ser feliz.


Texto adaptado.

2 comentários:

  1. "No fundo, sentia pena daqueles seres humanos tão conformados, tão iguais uns aos outros..."
    Isso diz tudo!

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  2. Você me encanta mais a cada texto.

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